
Princípio do melhor interesse da criança/adolescente - colunista: “Dra.Renata Almada”
- Aline Oliveira
- 24 de jul. de 2021
- 9 min de leitura
Atualizado: 1 de ago. de 2021
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Os princípios jurídicos refletem, por essência, a cultura de uma sociedade em determinado momento de sua história, pois são compostos de valores jurídicos e políticos que servem de fundamento para o nosso ordenamento jurídico e atuam como vetor na construção e aplicação das regras jurídicas, que não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios.
Dentre os diversos princípios jurídicos existentes no nosso ordenamento jurídico, se encontra o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Segundo Gonçalves (2011), o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente não possui previsão expressa na Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente, afirmando que a doutrina especializada sustenta que o princípio é inerente ao princípio da proteção integral, estando implícito e inserido nos direitos fundamentais previstos pela Constituição no que se refere a crianças e adolescentes.
A proteção integral a crianças e adolescentes, por sua vez, advém da cediça maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos de idade, sendo, até então, pessoas em desenvolvimento, motivo pelo qual necessitam de um tratamento especial.
Essa proteção integral está prescrita no artigo 227 da Constituição Federal, que:
afirma que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”.
Vemos, portanto, que o legislador originário conferiu prioridade aos direitos da criança e do adolescente, aduzindo os deveres que a família tem para com o menor e o adolescente.
Tal proteção está presente também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo um reforço da própria Constituição. Em seu art. 3º e 4°, sucessivamente, o ECA leciona:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O melhor interesse da criança, ou best interest of the child, foi recepcionado pela Convenção Internacional de Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças, recepcionada no Brasil no Decreto nº 3.087/99 e também está presente no Código Civil, em seus artigos 1.583 e 1.584, por exemplo, que reconhece o princípio quando trata-se sobre a guarda do menor.
Dentro do Direito de Família, podemos ver inúmeras aplicações do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sendo a mais famosa delas a aplicação na fixação da guarda compartilhada (ou unilateral) e o regime de convivência, que podem inclusive ser modificadas a qualquer tempo, sempre sob o olhar do melhor interesse do menor.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. DISSENSO ENTRE OS PAIS. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada deve ser buscada no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas para que os filhos possam usufruir, durante a formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente). 2. Em atenção ao melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das atribuições de cada um.
Contudo, essa regra cede quando os desentendimentos dos pais ultrapassarem o mero dissenso, podendo resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC/2002). 3. Tratando o direito de família de aspectos que envolvem sentimentos profundos e muitas vezes desarmoniosos, deve-se cuidar da aplicação das teses ao caso concreto, pois não pode haver solução estanque já que as questões demandam flexibilidade e adequação à hipótese concreta apresentada para solução judicial. 4. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ - REsp: 1417868 MG 2013/0376914-2, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/05/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2016)
Não somente referente às questões de guarda e regime de convivência, mas aplicamos o princípio do melhor interesse do menor e do adolescente também em procedimentos de filiação socioafetiva, multiparentalidade, adoção, destituição do poder familiar, entre outros, o que reforça a imprescindibilidade desse princípio no âmbito familiar.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família surge o debate relacionada à multiparentalidade, rompendo com o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais."
5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho.
6. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões.
7. Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil ao atingir a maioridade, momento em que poderá avaliar, de forma independente e autônoma, a conveniência do ato.
8. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1674849 RS 2016/0221386-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 17/04/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/04/2018)
RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA - TRÁFICO DE CRIANÇA - NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE, POR SI, NÃO DENOTAM A PRÁTICA DE ILÍCITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A observância do cadastro de adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro; II - E incontroverso nos autos, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, que esta criança esteve sob a guarda dos ora recorrentes, de forma ininterrupta, durante os primeiros oito meses de vida, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator que, como visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento n. 1.0672.08.277590-5/001. Em se tratando de ações que objetivam a adoção de menores, nas quais há a primazia do interesse destes, os efeitos de uma decisão judicial possuem o potencial de consolidar uma situação jurídica, muitas vezes, incontornável, tal como o estabelecimento de vínculo afetivo; III - Em razão do convívio diário da menor com o casal, ora recorrente, durante seus primeiros oito meses de vida, propiciado por decisão judicial, ressalte-se, verifica-se, nos termos do estudo psicossocial, o estreitamento da relação de maternidade (até mesmo com o essencial aleitamento da criança) e de paternidade e o conseqüente vínculo de afetividade; IV - Mostra-se insubsistente o fundamento adotado pelo Tribunal de origem no sentido de que a criança, por contar com menos de um ano de idade, e, considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante, pois não levou em consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de afetividade da infante com o casal adotante, que, como visto, insinua-se presente; V - O argumento de que a vida pregressa da mãe biológica, dependente química e com vida desregrada, tendo já concedido, anteriormente, outro filho à adoção, não pode conduzir, por si só, à conclusão de que houvera, na espécie, venda, tráfico da criança adotanda. Ademais, o verossímil estabelecimento do vínculo de afetividade da menor com os recorrentes deve sobrepor-se, no caso dos autos, aos fatos que, por si só, não consubstanciam o inaceitável tráfico de criança; VI - Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1172067 MG 2009/0052962-4, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 18/03/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/04/2010)
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. ECA. AÇÃO DE ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. COMPROVADA SITUAÇÃO DE ABANDONO E OMISSÃO DA GENITORA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DETERMINADA. ADOÇÃO DEFERIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MEDIDA QUE MELHOR ATENDE A PROTEÇÃO E INTERESSE DO MENOR. Restando evidenciado que a genitores não reúne condições de assumir o poder familiar, havendo situação manifesta de abandono, descumprindo os deveres inerentes ao encargo, prevalecendo a proteção integral, os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse do menor, correta a sentença de procedência da ação para desconstituir o poder familiar no caso. Inteligência dos artigos 1.638, II, do Código civil e artigo 22 e 24, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes do TJRS. Por outro lado, verifica-se que a adoção é a medida que melhor atende a proteção e o interesse da menor, inclusive diante da suspensão do poder familiar da genitora, já tendo a autora assumido a guarda fática da adolescente desde tenra idade, visto que casou com o pai da adolescente, que possuía a sua guarda unilateral. Inteligência do art. 50, §§ 13, inciso III e 14 e 43, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apelação desprovida. (TJ-RS - AC: 70084952514 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 20/04/2021, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 14/06/2021)
O princípio, portanto, está inserido no nosso ordenamento e é utilizado para basear a grande maioria das decisões do judiciário, especialmente quando falamos sobre guarda de menores e adolescentes. Porém, ainda existem questionamentos do que de fato seria o “melhor interesse” da criança.
Justamente, o legislador deixou de definir o conceito de “melhor interesse da criança” para permitir que a norma fosse adaptada à imprevisibilidade das situações da vida. Ao mesmo tempo que indica claramente a obrigatoriedade de se preservar o melhor interesse, também não descreve o que corresponde ao tal melhor interesse. O que abre campo para interpretações.
Hoje em dia sabemos que existem infinitos padrões comportamentais das famílias e que cada um contém imensa complexidade. O princípio pode e deve ser adaptado conforme as imprevisibilidades e especificidades de cada núcleo familiar.
Na vida, todos nós deveríamos ser “pró-criança”. Explico. A criança e o adolescente estão constantemente em situação de vulnerabilidade, e cabe a nós enquanto cidadãos amparar a fim de que seja dado a eles a devida proteção e seja resguardado seu direito a um crescimento e desenvolvimento sadio, com boa formação moral, social e psíquica.
Vejo esse como um princípio fundamental na prática do advogado familiarista e de todos os aplicadores do Direito que atuam na área do Direito das Famílias.
Na nossa atuação, é importante observar quais são as reais intenções daquele pai ou mãe com o seu filho a decidir por determinada modalidade de guarda ou regime de convivência, por exemplo, e analisar prospectivamente se aquela decisão é a mais acertada para o desenvolvimento da criança.
Há que se deixar claro que se considera “melhor interesse da criança” aquilo que a Justiça acredita ser o melhor para o menor, e não o que os pais acham que seja.
Porém, para que o melhor interesse seja de fato efetivado, é preciso que os pais se entendam e que tenham uma boa relação, para que a criança não seja colocada num lugar que não lhe convém – ser usada como “prova”, ser moeda de troca no relacionamento dos pais, ser alvo de litígios, entre outros.
Por fim, termino dizendo que aplicar esses princípio é entender as prioridades da criança e do adolescente, o que essas necessidades representam e também escutar a família e seus membros em suas diferenças, pois é analisando o contexto que saberemos se o melhor interesse do menor está sendo resguardado ou não.
BIOGRAFIA
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Breves considerações sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. In: Revista Brasileira de Filosofia. Vol. 236, jan-jun 2011. Disponível em: < https://issuu.com/edileide91/docs/breves_considera____es_sobre_o_prin >. Acesso em: 14. Jul. 2021.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª edição. 2021.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10ª edição. 2020
Colunista: Dra.Renata Almada | Mediadora e Especialista em Dir. Família.
Instagram: @renataalmada
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